Natal, Branco e Gelo
Venho de longe, lá de Trás-os-Montes...
- Venho de longe, lá da
terra onde a chuva batia de mansinho no vidro da janela, e onde às vezes, de
manhã quando acordava, a paisagem estava coberta por um lindo manto branco de
neve fofinha...
Nos beirais e nos ramos
das árvores, existiam pendentes de gelo tão brilhantes, que pareciam cristais,
que lá foram colocados de propósito, para embelezarem as ruas e os caminhos.
Depois vinha o sol
brilhante ia derretendo a neve, com o passar dos dias frios de inverno se ia
transformando em gelo, e desfazendo em pequenas gotas de água, até
desaparecerem por completo, tal como a neve, mas havia locais mais sombrios,
onde só de novo a chuva limpava por completo a neve das ruas e caminhos,
surgindo de novo a verdejante e linda paisagem, daquela pacata aldeia
transmontana, que muito se orgulha das suas gentes, das suas festas, das suas
romarias e tradições ancestrais, que o seu povo continua a manter vivas.
O Natal era uma época
festiva, de que as crianças gostavam e ainda gostam muito, embora em nossa casa
houvessem poucos recursos, porque era uma família pobre, composta por um casal
com seis filhas e dois filhos.
Havia tradições que se
repetiam anualmente, algumas delas vou tentar descrevê-las.
A minha mãe fazia sempre a
ceia de Natal tradicional, que era batatas, bacalhau, couves, cebolas e ovos
tudo cozido e regadas por um bom azeite.
A minha mãe fazia sempre
aletria doce, e na véspera fazia os fritos tradicionais da nossa terra que era
rabanadas, bolinhos de bacalhau, bolinhos de abóbora e de abóbora gila, que tal
como os restantes legumes e batatas era tudo cultivado por nós, na nossa terra,
onde fazíamos agricultura de subsistência.
Na véspera de Natal,
colocávamos os sapatos junto à lareira onde os nossos pais, durante a noite
depois de nós adormecermos, iam colocar um saquinho com confeites doces e
coloridos, figos secos, alguns biscoitos e um lenço de assoar com desenhos
infantis pintados e nós ficávamos muito felizes com as prendinhas do Menino
Jesus, era isso que nos diziam os nossos pais.
Ao serão, brincávamos uns
com uma pionita de quatro faces, cada uma com uma letra, R de raspa, T de tira,
P de põe e D de deixa, onde íamos ganhando ou perdendo os nossos doces, que no
fim restituíamos aos que perdiam.
O nosso pai era um
excelente contador de histórias antigas, e então sentava-se à lareira, que de
inverno estava sempre acesa, e nós sentávamo-nos uns ao colo, outros agarrados
ao seu pescoço e outros à sua volta, e aí ele contava a história do Dom Caio,
eu cai, eu cai, a da João Grilo, pobre grilo onde tu te meteste, a da Raposa e
da Cegonha, que se enganaram mutuamente com as papas no prato raso ou dentro do
frasco, a do Touro Azul, um touro mágico amigo da princesa, pobre Maria Suja,
que era a minha preferida e muitas outras que ele nos contava e que nós
adorava-mos ouvir.
Quando crescemos passámos
a querer ir ao baile da aldeia, e fomos perdendo algumas dessas tradições.
Há algumas de que em nossa
casa não dispensamos, que são a ceia mantem-se, só acrescentamos o polvo cozido
porque o meu filho não gosta de bacalhau, e acrescentamos um pudim de leite
condensado, receita da minha filha e de que todos gostamos muito. Tenho muito
boas lembranças dos Natais da minha infância, ainda hoje é a festa anual de que
mais gosto, porque é a festa da família.
Évora, 09 de Outubro de
2017
Maria da Conceição Saraiva
Roxo Orvalho
Breves dados biográficos:
Sou natural de Vila Pouca
de Aguiar em Trás-os-Montes. Tenho um casal de filhos, duas netas e um neto,
que adoro. Vivo há muitos anos na linda cidade de Évora, Património Mundial da
Unesco. Trabalho na biblioteca de uma escola secundária da cidade.
Já
participei nas Coletâneas da Editora Lua de Marfim: “Confissões, Premonições,
Obsessões, Poema-me e Sentidos: Sexto Sentido I”. Participei também com 2
poemas, na Coletânea “Som de Poetas”, e em A Minha Vida Dava um Filme, da
Editora Papel D’Arroz.