sábado, 4 de outubro de 2014

Mãe

A linda palavra Mãe,
Maria Mãe de Jesus,
também é esse o nome
daquela que me deu à luz,
pois a minha querida mãe
é Maria de jesus.
Minha e de meus irmãos
todos juntos somos oito,
dois homens e seis mulheres,
e somos todas Marias,
no nosso primeiro nome,
mas só a nossa querida mãe
dá pelo nome Maria.
A primeira é a Helena,
e depois é a Odete,
seguida do Manuel,
e depois vem o José,
seguido da Conceição,
e depois é a Elvira,
seguida da Adelaide
por último a Nazaré.
 Mais maridos e mulheres,
filhos, netos e bisnetos,
fazemos da nossa família,
a força desta união.
Em cada dia que passa,
mesmo longe uns dos outros,
estamos sempre muito juntos,
nas férias do Natal e da Páscoa
e sempre que conseguimos,
continuamos unidos,
junto da nossa querida mãe.
Mesmo que ela esteja ausente,
nalguns momentos em que,
a sua memória a atraiçoe.
Com muito amor e carinho,
ontem, hoje e para sempre,
bem alto vamos dizer,
que Maria de Jesus
é a nossa querida mãe.
São Roxo Orvalho,                                    
Évora, 18/02/2013

São Martinho

Lenda do São Martinho
Martinho era um valente soldado romano que estava a regressar da Itália para a sua terra, algures em França.
Montado no seu cavalo estava a passar num caminho para atravessar uma serra muito alta, chamada Alpes, e, lá no alto, fazia muito, muito frio, vento e mau tempo.
Martinho estava agasalhado normalmente para a época: tinha uma capa vermelha, que os soldados romanos normalmente usavam.
De repente, aparece-lhe um homem muito pobre, vestido de roupas já velhas e rotas, cheio de frio que lhe pediu esmola.
Infelizmente, Martinho não tinha nada para lhe dar, então, pegou na espada, levantou-a e deu um golpe na sua capa, cortou-a ao meio e deu metade ao pobre.
Nesse momento, de repente, as nuvens e o mau tempo desapareceram.
Parecia que era Verão!
Foi como uma recompensa de Deus a Martinho por ele ter sido bom.
É por isso que todos os anos, nesta altura do ano, mesmo sendo Outono, durante cerca de três dias o tempo fica melhor e mais quente: é o Verão de São Martinho.
Magusto:
- É a festa em que se assam as castanhas para comer à roda da fogueira, onde se canta e dança, em saudáveis convívios.
- É a época em que os ouriços caiem dos castanheiros nos soutos do norte de Portugal, se abrem e soltam as castanhas maduras, prontas a serem consumidas.
Dois provérbios:
- No dia de S. Martinho vai à adega e prova o teu vinho.
- No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.

- Tem a ver com o momento em que, depois das vindimas, nos meses de Setembro e Outubro, o vinho está pronto para se provar.

Na minha terra era tradição, assarem-se sardinhas para comer com broa de milho e castanhas assadas.


A Menina das Sardas


A Menina das Sardas
Era uma vez uma menina chamada Maria da Conceição, cujo nome é uma homenagem à Santa Padroeira da Vila, com o rosto preenchido por pequenas pintinhas castanhas”sardas”, loira com um tom arruivado, gordinha e bem disposta, era a alegria da sua grande família.
Nasceu numa quinta agrícola perto de a pequena aldeia de Nozedo, situada em Trás-os-Montes.


Foi a quinta filha de um pobre casal de agricultores, que tiveram oito filhos, seis raparigas e dois rapazes, que lhes deram treze netos e nove bisnetos, com mais um a caminho, deram-lhes também muitas alegrias e algumas tristezas.
Este humilde casal criou os seus filhos com bastantes dificuldades, trabalharam muito para os sustentarem enquanto eram pequenos.
A quinta era pertença de uma família abastada da região, cujo dono o Dr.G.C.que fora Presidente da Câmara Municipal durante vários anos, antes do 25 de Abril de 1974, a quem o povo venerava, quando ele passava na rua os munícipes tiravam o chapéu e faziam uma vénia em sinal de respeito e ele estendia logo a mão para o cumprimentar, fosse pobre ou rico.
Ele e sua mulher Dra. Celestinha, eram os padrinhos de baptismo desta menina, a quem ela tinha grande afecto, e às suas duas lindas filhas.
A menina Tilinha a mais velha, era muito bonita, pequena de cabelo curto ondulado e escuro, voz muito bonita como a mãe, e a menina Virinha,era alta esguia de cabelo muito comprido loiro, muito liso, rosto branco e lindos olhos verdes como o pai, eram idolatradas pela Sãozinha, como a tratavam em casa dos padrinhos.
Depois da revolução de Abril, o povo prestou-lhe homenagem dando o seu nome ao pavilhão desportivo da vila.






Quando a menina das sardas tinha mais ou menos três anos, e depois de um acidente em que morreu enforcada uma vaca na manjedoura da quinta, a família toda mudou-se para a aldeia de Cidadelha, terra natal a mãe da menina, para uma grande casa alugada, cuja renda era de 100$00 por mês, o que era bastante para a década de sessenta.
A menina de quem vamos falar era muita viva, alegre, inteligente e muito sonhadora.

Pelo menos uma vez por ano, no Domingo de Ramos, ela, com a sua irmã Vira, acompanhadas pela irmã mais velha a Lena, faziam uma visita ao lindo palacete onde viviam os padrinhos, onde conviviam com as suas filhas, cuja madrinha lhes dava de folar de Páscoa, uma peça de tecido para fazerem uns vestidos ou uns fatos de saia e casaco, o que para aquela época era um grande luxo e que estriavam em Setembro, durante a festa anual em honra de S. Sebastião.












Continua...
Algumas imagens retiradas de:

Confissões









Colectânea "Confissões" - Participantes apurados
________________________________________
Antologias Lua de Marfim antologias.luademarfim@gmail.com
21 de Agosto de 2014 às 10:46
Para: Antologias Lua de Marfim
Bcc: conceicaoorvalho@gmail.com
Amigos da LUA
Terminámos agora o processo de análise dos textos recebidos e queremos dar-lhe os parabéns por ter sido um dos participantes cujo texto foi seleccionado e aprovado para publicação na nossa colectânea "CONFISSÕES", com lançamento agendado para o dia 20 de Setembro próximo, pelas 15 horas, no Auditório do Campo Grande, em Lisboa.
Junto enviamos declaração que deverá ler atentamente, assinar e devolver-nos, no prazo de cinco dias (por esta via ou via CTT para a nossa morada que vai indicada no final deste e-mail), conjuntamente com cópia do seu documento de identificação (caso já nos tenha facultado cópia do seu documento de identificação no processo de publicação da anterior colectânea “Cartas”, não precisa de o fazer agora, bastando enviar a declaração assinada).
Relembramos que o cumprimento deste requisito é obrigatório, pelo que, caso os documentos solicitados não sejam recepcionados no prazo indicado, o texto não poderá ser incluído na colectânea – e aí a LUA não sorri 
Abraços,
da LUA que sorri
JCom os nossos melhores cumprimentos,

Lua de Marfim Editora, Lda.
Praça José António Veríssimo, 5
C. Com. 84 - Loja 7
2625 – 162 Póvoa de Santa Iria
  
Telefone: 21 959 48 17
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Dep. de Antologias / Colectâneas / Passatempos

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Saudades da Minha Aldeia

Saudades da Minha Aldeia


Em cada dia que passa,
lembro a pequena aldeia,
das terras de Aguiar,
para lá de Trás-os-Montes.
Para sempre vou lembrar,
quando na rua jogava,
à macaca, às escondidas,
a saltar à corda e a brincar,
com as minhas queridas amigas.
Da linda festa de verão,
num domingo de setembro,
com as procissões a passar,
das velas, do gado e dos anjinhos,
Com a banda a tocar,
na missa e no arraial,
para sempre vou lembrar,
nas terras de Aguiar,

a minha  terra natal...

São Roxo Orvalho

Mãe

Mãe


A linda palavra Mãe,
Maria Mãe de Jesus,
também é esse o nome
daquela que me deu à luz,
pois a minha querida mãe
é Maria de jesus.
Minha e de meus irmãos
todos juntos somos oito,
dois homens e seis mulheres,
e somos todas Marias,
no nosso primeiro nome,
mas só a nossa querida mãe
dá pelo nome Maria.
A primeira é a Helena,
e depois é a Odete,
seguida do Manuel,
e depois vem o José,
seguido da Conceição,
e depois é a Elvira,
seguida da Adelaide
por último a Nazaré. 
Mais maridos e mulheres,
filhos, netos e bisnetos,
fazemos da nossa família,
a força desta união.
Em cada dia que passa,
mesmo longe uns dos outros,
estamos sempre muito juntos,
nas férias do Natal e da Páscoa
e sempre que conseguimos,
continuamos unidos,
junto da nossa querida mãe. 
Mesmo que ela esteja ausente,
nalguns momentos em que,
a sua memória a atraiçoe.
Com muito amor e carinho,
ontem, hoje e para sempre,
bem alto vamos dizer,
que Maria de Jesus

é a nossa querida mãe.

São Roxo Orvalho

Benfica

Que bem que fica

este Benfica

dá alegria

é com fervor

que o povo grita

viva o Benfica

e lá vão três

as nossas taças

dão muitas graças

as nossas massas

gritam bem alto

e os carros passam

pelo asfalto

com as bandeiras

e os cachecóis

e todos gritam

pelos heróis

que são os jogadores 

e o treinador

mais o presidente

que estão contentes

e sorridentes

por isso eu digo

que bem que fica

o meu Benfica!


25 de Abril de 2014


Évora, 25 de Abril de 2014

Falar do dia 25 de Abril de 1974

 40 Anos depois


A Revolução do dia 25 de Abril de 1974 foi um dos acontecimentos históricos mais importantes para mim, tal como para os demais portugueses, porque forçou Marcelo Caetano a demitir-se e a exilar-se, consequentemente acabou com a mais velha ditadura da Europa, com a Pide, libertou os presos políticos, instituiu a democracia e a liberdade em Portugal.
Levou às primeiras eleições livres em 25 de Abril de 1975, foram as primeiras em que todas as mulheres puderam exercer o seu direito de voto, porque dantes só os homens podiam votar, salvo raras exceções, para a Assembleia Constituinte, que elaborou a nova Constituição da República Portuguesa, que passou a garantir os direitos fundamentais para a toda a população, realço alguns que para mim são os mais importantes, tais como:
-Liberdade, igualdade, educação, saúde, habitação, trabalho, paz...
Acabou com a guerra colonial, que mobilizava os nossos jovens e os obrigava a fazerem uma guerra que não era a sua, e que foi uma das principais causas para os militares desencadearem a revolução, que deu lugar à declaração de independência desses povos, tornando-se países independentes. Não concordo como foi feita essa descolonização, não esqueço a guerra civil em Angola, os graves problemas da Guiné e de Moçambique, os muitos portugueses que tiveram que fugir das colónias para Portugal, a grande avalanche dessas pessoas, “retornados” que vieram sem nada, muitos com crianças ao colo, que chegaram a um país deprimido e sem condições para os acolherem dignamente.
Estamos este ano a comemorar os 40 anos da Revolução do dia 25 de Abril de 1974.
Há 40 anos atrás eu era uma jovem trabalhadora, de 17 anos de idade, cheia de alegria, com muitos planos e sonhos para viver.
Durante todo o dia 25 de Abril de 1974, eu era trabalhadora rural, o meu patrão era um dos maiores latifundiários do Alentejo. Nesse dia fui normalmente para o trabalho, ouvimos no pequeno rádio a pilhas do encarregado do pessoal, os comunicados do Movimento das Forças Armadas (MFA) à população, para se manterem serenos e em casa, mas nós nem tínhamos a noção do que se estava a passar, só à noite quando chegamos a casa e vimos na televisão, é que começamos a tomar consciência do que se estava a passar.
Depois foi a euforia do povo libertado nas ruas, as manifestações, os comícios, as lutas a Reforma Agrária, onde eu tive uma participação ativa, fazendo parte de uma das primeiras comissões mistas de trabalhadores, eleita por voto dos colegas de braço no ar. Assisti ao enorme desenvolvimento do Alentejo rural, as aldeias desenvolveram-se imenso, havia trabalho para toda a população das aldeias, eram cultivados todos os terrenos férteis, havia enormes rebanhos de gado nas pastagens, havia queijos, leite e muito trigo, por isso o Alentejo era chamado celeiro de Portugal.
A minha luta pessoal contra qualquer tipo de discriminação das mulheres, seja na família, no trabalho e na sociedade, começou nessa altura e ainda se mantem atualmente.
Hoje caminho a passos largos para os 60 anos (tenho 57), casei a uma semana de completar 19 anos, tenho um casal de filhos, que criei com muitas dificuldades, porque enviuvei aos 27 anos.
Sou uma pessoa positiva, de sorriso fácil e nunca perdi a vontade de lutar por um país, onde todos possamos ter uma vida melhor. Tenho duas netas e um neto, que me dão muitas alegrias e me enchem de orgulho, tal como os seus pais.
O que eu tenho para dizer sobre estes 40 anos do 25 de Abril, é que avançámos muito a nível civilizacional e em qualidade de vida.
O acesso à educação foi democratizado, deixou de ser um privilégio de alguns, filhos das famílias das classes mais abastadas, para passar a ser um direito, constitucionalmente garantido, para todos os portugueses. Até para os adultos como eu, que não teve possibilidade de estudar enquanto criança e jovem, completei o 12.º ano há poucos anos. Eu sempre incentivei os meus filhos a estudaram, ele é licenciado em Engenharia Agrícola, ela tem o 12.º ano, e está a completar o Curso de Técnico Profissional de Informática de Nível IV.
A saúde passou a ser um direito garantido na nossa constituição. Foi criado o serviço nacional de saúde, (SNS) para universalizar o acesso à saúde de toda a população portuguesa, com isso aumentou a longevidade e diminuiu a mortalidade, principalmente a infantil, para níveis nunca até então atingidos.
Eu penso que passados 40 anos do 25 de Abril, avançámos muito em qualidade de vida, mas atualmente o que vejo é que estamos a retroceder civilizacionalmente.
Há muitas famílias que incluem crianças e jovens, a viverem na maior das pobrezas, porque não teem recursos para viverem com um mínimo de qualidade de vida. O acesso à saúde e educação estão cada vez mais difíceis, os impostos atingiram níveis inaceitáveis, retirando recursos às famílias e à economia do país.
Na minha opinião, a democracia está cada dia que passa, a ser atacada por políticas da direita radical e da Troika, e há famílias que investiram tudo na compra da sua habitação, mas com as altíssimas taxas de desemprego em Portugal, estão a perder essas casas, sem recursos financeiros para as manterem.
Estamos a perder todos os direitos adquiridos nos locais de trabalho, principalmente na função pública, os reformados estão a ver as suas reformas diminuídas.
Há um ataque a todos os direitos e valores porque os militares de Abril fizeram a revolução, o medo começa a calar o povo, o que faz com que nos isolemos e baixemos os braços, em vez de sairmos para a rua a protestar contra as políticas de direita, que nos estão a causar muitas dificuldades.
Eu penso que a união faz a força, e que só um povo unido pode vencer esta crise, que vai ficar para a história, como uma das maiores porque passámos nesta democracia, por isso temos que unir as nossas forças para a ultrapassar, lutando pelos valores de Abril, para os manter vivos dentro de nós, e passa-los aos nossos filhos e netos.
-Viva o Dia 25 de Abril de 1974!
- Vivam os 40 anos do 25 de Abril!
- Abril de novo com a força do povo!
                
Évora, 25 de Abril de 2014       
 Conceição Orvalho

Poesia

Poesia


Ao pensar em poesia
também penso em poetas
que escrevem de noite e dia
usando as rimas certas.

Usando as rimas certas
e também o coração
pois, ao pensar em poetas
eu penso em solidão.

Eu penso que o poeta
escreve sempre sozinho
ao escrever sua trova
ele está no seu cantinho.

Eu gosto da Florbela
da sua grande utopia
também gosto da Natália
e gosto muito da Sophia.

Gosto muito do Pessoa
também gosto do Aleixo
escrever é uma coisa boa

nestes  versos que vos deixo.

São Roxo Orvalho

Declaração de Conceição Orvalho, Escola Secundária de Évora

Hino de Cidadelha de Aguiar

Hino de Cidadelha de Aguiar  

Ó Cidadelha
                           és a melhor do mundo,                          
moinhos no cima,
capela no fundo.

Tens um terreiro
                                              abençoado,     } bis                                  
tens um padroeiro
                  de lamas ao lado!      

Ó Cidadelha,
                ó terra Santa,    } bis
        quando o povo dorme,
     regedoura canta!


                                                 São Roxo Orvalho,                                               Évora, 11/12/2013

Lírios Roxos

Lírios Roxos

Lírios Roxos que florescem,
na charneca do meu ser,
são venturas, desventuras, 
que ando na vida a colher.
Lírios roxos que despontam,
entre tojos, pinhal fora, 
manchas de sangue pisado,
na minha alma sofredora. 
Entre trevos e macela, 
surge altivo o lírio roxo,
tem o pé direito e firme,
impossível de vergar...
sofre, por isso, na cor,
as mágoas do seu pesar,
lírio roxo é altivez, 
que resiste ao sol, ao vento,
mas na cor roxa que tem,
tem a cor do sofrimento.
De:
Solos de Harpa
Pinho Neno


A Moleirinha

A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P'ra vestir os netos, p'ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p'ra  fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além do Céu!


Novembro de 1888


Autor: Guerra Junqueiro