I
"Delírios
de Inverno"
É
um delírio de inverno
Ou
um grande pesadelo
Ter
uma vida de inferno
Com
esta dor de cotovelo
Com
o frio dói-me o ombro
Que
sofreu uma cirurgia
Às
vezes ele dói-me tanto
Que
vivo em agonia
Estava
a falar do esquerdo
Mas
também o meu direito
Está
muito aleijado
Que
me dói até o peito
Falos
dos membros superiores
Mas
não me posso esquecer
Que
os membros inferiores
Também
me estão a doer
Na
coluna tenho hérnias discais
Que
são problemas graves
Me
fazem dar muitos ais
Tornam-me
os movimentos incapazes
Para
vestir o meu vestido
Ou
calçar os meus sapatos
Às
vezes penso que é castigo
Outras
que resultam dos factos
De
ter começado a trabalhar
Quando
ainda era criança
Por
isso estou agora a pagar
Com
toda esta doença
Por
não ter ido estudar
E
penso às vezes comigo
Porque
fui tão cedo trabalhar
Porque
os meus outros irmãos
Também
foram trabalhar
Não podia haver exceções
Para
ir só eu estudar
Os
meus pais eram pobres
Mas
tiveram oito filhos
Tinham
sentimentos nobres
E
tinham muitos sarilhos
Com
dez bocas a comer
A
todas as refeições
Havia
muito que fazer
Para
poupar uns tostões
Sempre
trabalhei com afinco
Durante
toda a minha vida
Agora
tudo o que eu sinto
Que
foi uma vida perdida
Porque
os meus dirigentes
Nunca
me deram valor
Se
eles fossem coerentes
Tinham-me
dado um louvor
Foram
mais de trinta anos
De
trabalho e dedicação
Foi
uma vida de enganos
Que
partiu o meu coração…
II
II
"Delírios
de Inverno".
Tenho Saudades
foi-se
embora e não voltou
deixou
para trás um vazio
difícil
de preencher
deixou
imensa tristeza
deixou
fome, deixou frio
tirou
toda a beleza
foi
contra a natureza
porque
o que era natural
era
continuar a lutar
nos
dias que estavam para vir
podia
escolher outra via
foi
aquela que escolheu
nada
e ninguém o demoveu
eu
é que não pude escolher
tive
que a vida viver
um
dia de cada vez
porque
ele assim fez
com
que isso acontecesse
deixou-me
muita saudade
não
dele,
da
minha mocidade
e
de todos os sonhos
com
que eu sempre sonhei
a
ele me dediquei
mas
sozinha então fiquei
ele
tudo me tirou
foi
a casa e o futuro
nem
lembranças me deixou
só
o luto e a tristeza
tirou-me
a pouca beleza
com
que Deus me bafejou
tirou-me
toda a alegria
que
eu tinha noite e dia
e
o futuro promissor
com
que eu sempre sonhei
acabou,
naquele maldito dia
negro
dia de outono
que
mais parecia de inverno
deixou
tanta solidão
mas
não acabou a minha luta
que
eu tenho dia a dia
em
busca do nosso pão
ai
saudade, ai solidão!
que
pesa cada vez mais
dentro
do meu coração…
III
Com
o gado para os campos
E
a sua mente sonhadora
Deixa-a
às vezes, em prantos
Com
a sua roupa rasgada
E
a sola das socas já gasta
Come
pão de côdea dura
Que
com água a empurra
Olha
para as nuvens do céu
E
fala com os seus botões
Tem
um sonho que é só seu
Quando
juntar uns tostões
Vai
comprar uma linda saia
Comprar
também uns sapatos
Para a festa da aldeia
Porque
os seus já estão gastos
Se
sobrar algum tostão
Vai
comer uma cavaca
Vai
dançar o malhão
E
beber uma laranjada
Vai
vestir-se de anjinho
Durante
a procissão
E
junto com o povinho
Mostrar
a sua devoção
Évora, 13 de Abril de 2020
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