quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Delírios de Inverno

 I

"Delírios de Inverno"


É um delírio de inverno
Ou um grande pesadelo
Ter uma vida de inferno
Com esta dor de cotovelo

Com o frio dói-me o ombro
Que sofreu uma cirurgia
Às vezes ele dói-me tanto
Que vivo em agonia

Estava a falar do esquerdo
Mas também o meu direito
Está muito aleijado
Que me dói até o peito

Falos dos membros superiores
Mas não me posso esquecer
Que os membros inferiores
Também me estão a doer

Na coluna tenho hérnias discais
Que são problemas graves
Me fazem dar muitos ais
Tornam-me os movimentos incapazes

Para vestir o meu vestido
Ou calçar os meus sapatos
Às vezes penso que é castigo
Outras que resultam dos factos

De ter começado a trabalhar
Quando ainda era criança
Por isso estou agora a pagar
Com toda esta doença

 Até parece um castigo
Por não ter ido estudar
E penso às vezes comigo
Porque fui tão cedo trabalhar

Porque os meus outros irmãos
Também foram trabalhar
 Não podia haver exceções
Para ir só eu estudar

Os meus pais eram pobres
Mas tiveram oito filhos
Tinham sentimentos nobres
E tinham muitos sarilhos

Com dez bocas a comer
A todas as refeições
Havia muito que fazer
Para poupar uns tostões

Sempre trabalhei com afinco
Durante toda a minha vida
Agora tudo o que eu sinto
Que foi uma vida perdida

Porque os meus dirigentes
Nunca me deram valor
Se eles fossem coerentes
Tinham-me dado um louvor

Foram mais de trinta anos
De trabalho e dedicação
Foi uma vida de enganos
Que partiu o meu coração…

 II
"Delírios de Inverno".

Tenho Saudades
 Saudade do que passou
foi-se embora e não voltou
deixou para trás um vazio
difícil de preencher
deixou imensa tristeza
deixou fome, deixou frio
tirou toda a beleza
foi contra a natureza
porque o que era natural
era continuar a lutar
nos dias que estavam para vir
podia escolher outra via
foi aquela que escolheu
nada e ninguém o demoveu
eu é que não pude escolher
tive que a vida viver
um dia de cada vez
porque ele assim fez
com que isso acontecesse
deixou-me muita saudade
não dele,
da minha mocidade
e de todos os sonhos
com que eu sempre sonhei
a ele me dediquei
mas sozinha então fiquei
ele tudo me tirou
foi a casa e o futuro
nem lembranças me deixou
só o luto e a tristeza
tirou-me a pouca beleza
com que Deus me bafejou
tirou-me toda a alegria
que eu tinha noite e dia
e o futuro promissor
com que eu sempre sonhei
acabou, naquele maldito dia
negro dia de outono
que mais parecia de inverno
deixou tanta solidão
mas não acabou a minha luta
que eu tenho dia a dia
em busca do nosso pão
ai saudade, ai solidão!
que pesa cada vez mais
dentro do meu coração…

III
 "Delírios de Inverno".

 Lá vai a pequena pastora
Com o gado para os campos
E a sua mente sonhadora
Deixa-a às vezes, em prantos

Com a sua roupa rasgada
E a sola das socas já gasta
Come pão de côdea dura
Que com água a empurra

Olha para as nuvens do céu
E fala com os seus botões
Tem um sonho que é só seu
Quando juntar uns tostões

Vai comprar uma linda saia
Comprar também uns sapatos
 Para a festa da aldeia
Porque os seus já estão gastos

Se sobrar algum tostão
Vai comer uma cavaca
Vai dançar o malhão
E beber uma laranjada

Vai vestir-se de anjinho
Durante a procissão
E junto com o povinho
Mostrar a sua devoção


 Évora, 13 de Abril de 2020
Maria da Conceição Saraiva Roxo Orvalho

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