domingo, 30 de abril de 2023

Afilhado de guerra

 O afilhado de guerra

O meu afilhado de guerra M.M.F. era natural de Mirandela, terra fria transmontana. Era militar dos comandos, fez a recruta e a especialidade em Lamego, sendo depois mobilizado para a guerra do Ultramar em 1972, primeiro para Angola, onde ia terminar a formação, depois era deslocado para a frente de combate, para qualquer uma das províncias.

No seu pelotão, tinha como companheiro, o namorado da minha irmã, que lhe falou de mim e lhe deu o meu nome e endereço.

Ele escreveu-me então uma carta, a pedir-me que fosse sua madrinha de guerra, que me senti honrada em aceitar, para ajudá-lo, da melhor forma possível, a ultrapassar as difíceis agruras da guerra.

Acabei de achar, no fundo de uma gaveta, um envelope amarelecido, tinha dentro uma carta, já um pouco rasgada e uma fotografia, do meu afilhado de guerra, vestido de uniforme, de arma na mão, junto da sua caserna.

Ele escrevia-me com frequência aerogramas, que eram mais baratos que as cartas e não pagavam portes de correio aéreo, onde desabafava todo o sofrimento diário a que estavam sujeitos, ele e os companheiros, a quem eu tentava apoiar e a dar-lhe esperança no seu regresso, são e salvo.

Contou-me, que trazia sempre ao pescoço, um fio de contas em forma de terço, que a sua mãe lhe trouxera de Fátima, onde tinha ido pedir proteção de Nossa Senhora, para o seu querido filho, que tinha sido mobilizado para a guerra, do qual ele nunca se separava, com o qual rezava diariamente, que lhe servia de consolo nas horas mais difíceis da guerra

Ele escrevia-me com muita frequência, mas ao fim de algum tempo, deixou de me escrever, e o correio que eu lhe escrevia, começou a ser-me devolvido, então o namorado da minha irmã, escreveu-lhe a contar, que o meu afilhado, tinha sido ferido perto de Benguela, que foi hospitalizado, depois transferido para Luanda, que o seu pelotão, foi enviado para Moçambique, para a zona de Tete e que tinham perdido o contacto com o meu afilhado.

Também nós, nos mudamos de vez, de Trás-os-Montes para o Alentejo, para onde o meu pai foi transferido pela CP, o que contribuiu, para que perdêssemos de vez o contacto.

Hoje, ao encontrar esta carta, com a fotografia, veio-me à memória, o meu tempo de menina moça, e todos os sonhos dos meus 15 anos.

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